Tiago Barbosa
Três mortos, dois feridos e uma tribo desfalcada. Foi esse o saldo de um desentendimento entre índios de uma mesma família da etnia Capinaua - que povoa uma reserva em Buíque, no Agreste do Estado, a 285 quilômetros do Recife. A discussão ocorreu na madrugada de ontem, numa aldeia chamada Riachinho, situada a 40 quilômetros do centro do espaço indígena. Os familiares faziam uso de bebidas alcoólicas quando iniciaram o confronto. O agricultor Edílson Antônio da Silva foi morto pelo primo Amerício Gomes da Silva com uma facada no abdômen. A investida ocorreu na presença do irmão do assassino, José Gomes da Silva, e da companheira da vítima, Joseane Bezerra Cavalcanti.
Poucos momentos depois, o irmão de Edílson, Severino Antônio da Silva, e um outro índio, identificado como Paulo Siqueira Bezerra, foram avisados do homicídio. Eles partiram para cima de Amerício e José Gomes, assassinando-os a facadas e tiros de espingarda soca-soca. Perícia feita nos corpos constatou que José Gomes teve quatro ferimentos de faca no tórax, enquanto o irmão Amerício padeceu depois de ser atingido à bala no tórax e braço.
O duelo fez, ainda, mais duas vítimas. A mãe dos irmãos mortos, a presidente da Associação da Aldeia Riachinho, Maria Delmira da Silva, e o irmão dela, José Idalino da Silva, se feriram com os disparos da espingarda. Ambos foram socorridos para a Casa de Saúde de Buíque. Em seguida, transferidos para o Hospital Regional de Arcoverde e, por fim, para o Regional do Agreste. Receberam alta médica no meio da tarde de ontem. Os corpos de José Gomes e Edílson foram liberados pelo Instituto de Medicina Legal (IML) no mesmo dia. O cadáver de Amerício deve sair ainda hoje. O enterro deve ser feito no cemitério do Catimbau, distrito de Buíque.
Depoimento prestado por Joseane diz que Edílson e Amerício tinham uma rixa antiga. Mas, segundo ela, a briga teria sido insuflada pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Esse não é o primeiro episódio violento que envolveu os índios da família. O chefe do posto da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Buíque, Expedito Marsena Alves, afirma que, há cerca de 15 anos, Serverino teria assassinado o próprio cunhado. Sustenta, ainda, que o rapaz foi condenado pelo crime e cumpriu pena na Penitenciária de Canhotinho, de onde estaria foragido. Depois de cometerem o crime na madrugada de ontem, Severino e Paulo fugiram.
A suspeita de as mortes terem ocorrido em função de um desarranjo familiar colocou a Polícia Civil no caso e, momentaneamente, afastou a Polícia Federal (PF) da dianteira das investigações - embora a PF ofereça apoio nas apurações. O delegado responsável pelo caso é Marivam Bezerra. A reportagem não conseguiu falar com ele. O triplo homicídio foi registrado menos de dez dias depois do índio Capinaua Manoel Pedro Filho, de 21 anos, matar o também índio Gilmar Barbosa de Moura, 31, filho do cacique da tribo. O crime teria sido praticado por desavença familiar.
FUNAI sente dificuldade para fiscalizar consumo de bebida
A venda e o consumo de bebidas alcoólicas são proibidos em áreas de reservas indígenas. Mas, de acordo com a Funai, a legislação nem de longe é seguida à risca no espaço habitado pelos Capinaua, em Buíque. O chefe do posto do órgão de proteção à etnia na cidade, Expedito Marsena Alves, adverte que é excessivo o consumo desse tipo de produto entre os moradores da tribo e alerta que a ingestão do álcool tem ajudado a provocar desentendimentos freqüentes no meio dos índios. "Uma busca feita pela Polícia Federal, hoje (ontem), depois do crime, encontrou mais de vinte garrafas de cachaça vazias em uma das casas. É muita bebida", admira-se.
Os indígenas burlariam o limite legal, diz ele, ao comprar o líquido em feiras dos municípios circunvizinhos e transportá-lo para dentro da tribo em recipientes escondidos. A fiscalização, acrescenta Marsena, é dificultada pela extensão da reserva e a quantidade de índios que nela residem. A Funai informou que são mais de seis mil pessoas alojadas em 23 aldeias. As moradias ocupam um terreno de 16 mil hectares que compreende áreas nos municípios de Tupanatinga, Buíque e Ibimirim. "Além disso, a área é de difícil acesso. Temos problemas em trabalhar. Procuramos fazer reuniões e conscientizá-los sobre os malefícios da bebida. Até religiosos são trazidos para ajudar. Mas uma minoria ignora isso", explicou o chefe do posto.
A estrutura da Funai também não colabora. Apenas seis funcionários estão escalados para atender à demanda de toda a tribo. Chega a faltar combustível para a única viatura de propriedade do órgão. "É impossível fiscalizar. Os índios se sentem à vontade para beber e farrar, seja em aniversários, batizados ou festinhas. Já registramos muitas confusões", lamenta Marsena. Diz ele, ainda, que a presença da Polícia Federal já foi solicitada diversas vezes. "Temos enviado ofícios há quatro anos, mas não conseguimos retorno", afirmou. A assessoria da PF não foi localizada pela Folha.
XUCURU enterrado
O índio da etnia Xucuru José Lindomar Santana da Silva, de 37 anos, foi enterrado, na manhã de ontem, no cemitério de Pesqueira, no Agreste do Estado. Ele foi assassinado na madrugada do último domingo, na PE 219, quando retornava de uma festa em uma moto, na companhia do irmão dele, José Orlando Santana da Silva. Os dois teriam sido emboscados por outra dupla, que os feriu com o disparo de vários tiros. Atingido nas costas, Lindomar morreu na hora. O familiar foi levado para o Hospital Regional do Agreste e, em seguida, transferido para o hospital municipal de Pesqueira.
Segundo o policial federal Válter Assis, as investigações já começaram. "Por enquanto, estamos levantando testemunhas, descobrindo possíveis inimigos. São procedimentos iniciais. Há indícios de que a morte tenha sido fruto da disputa por terra. Não seria a primeira vez naquela localidade", disse ele. A suspeita em torno da possibilidade de um confronto entre os xucurus por conta de terrenos surgiu a partir da constatação de que os dois irmãos atingidos são filhos do ex-chefe da tribo, o cacique da Aldeia Pedra D'Água Francisco de Assis Santana.
Ele foi assassinado em 2001, num episódio relacionado ao registro de terras e indenização de posseiros. A polícia, no entanto, não descarta outras hipóteses, como a de vingança, uma vez que Lindomar foi preso sob a acusação de abusar sexualmente de uma adolescente de 14 anos, no Recife.
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário