segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Trecho de Mata Atlântica é suprimido

Obra de duplicação da BR 101 Norte arranca parte da vegetação em Goiana

Tiago Barbosa

A Mata Atlântica já foi a porta de entrada do litoral brasileiro. Quando os europeus aportaram no continente americano, por volta de 1500, a vegetação cobria uma área que se arrastava de onde hoje fica o Rio Grande do Norte até o atual estado do Rio Grande do Sul. Eram cerca de 1,3 milhões de quilômetros quadrados daquela que foi considerada a segunda maior floresta tropical úmida do País, em detrimento, somente, da Amazônica. Anos de ocupação e desenvolvimento das cidades praticamente legaram a formação vegetal ao limbo. Estima-se que existam, hoje, apenas 52 mil quilômetros quadrados, algo em torno de 4% da cobertura inicial.

A devastação fez com que as áreas de Mata Atlântica se tornassem espaços especialmente preservados. E protegidos. Mas nem sempre o progresso consegue respeitar essa limitação. Há casos que insistem em colocar a necessidade do desenvolvimento em rota de colisão com a existência da vegetação. É o que se observa em dois trechos que limitam a cidade de Goiana, no Litoral Norte do Estado, a 63 quilômetros da Capital.

O plano de duplicação da BR 101 esbarrou, por duas vezes, em áreas de Mata Atlântica que ladeiam a pista. A construção de uma via paralela exigia a derrubada de parte da cobertura vegetal. O Governo Federal solicitou, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) consentiu a retirada parcial.

O planejamento das obras estabeleceu que é necessário derrubar 39% da mata. Isso equivale a 0,1 quilômetros quadrados de 0,25 que existem rodeados de cana-de-açúcar nas terras das usinas Maravilha e Santa Tereza. Os números podem parecer baixos. Mas ganham força diante de avaliações feitas pelos órgãos de defesa ambiental. Calcula-se que, da formação inicial da Mata Atlântica em Pernambuco, sobrevivam apenas 3%, índice menor do que o verificado nacionalmente.

O Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transporte (Dnit), que coordena a duplicação, garante que o prejuízo será minimizado pela contrapartida exigida pelo Ibama para permitir o corte na floresta. Pelo termo de Autorização de Supressão de Vegetação n° 155, o Dnit ficou obrigado a elaborar um plano de replantio das espécies mais relevantes.

Nota enviada pelo supervisor de Estradas, Projetos e Meio Ambiente do Dnit, Aston dos Santos, garante que o estudo já foi feito e que as mudas de epífitas, bromélias, propágulos – tipos mais significativos - estão em posse do Instituto de Pesquisas Agropecuárias de Goiana. A área para fazer o replantio, no entanto, ainda está sendo definida em parceria com o Exército, que executa as obras.

O departamento também se comprometeu a doar a madeira colhida para o Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip), no Recife, e a Prefeitura de Goiana. O corte começou em maio e deve terminar em agosto. Até lá, uma faixa de até 35 metros à direita da via original deve ser retirada. Técnicos ouvidos pela reportagem da Folha no local, no entanto, disseram que esse campo pode se estender. Em áreas mais elevadas, a intervenção pode chegar a 80 metros . A previsão é de que duplicação em Pernambuco alcance 125 quilômetros .

Entidades lamentam a supressão

Depois do primeiro corte, nada adianta mais. A não ser, acompanhar e fiscalizar. É com esse grau de conformismo que duas entidades que atuam na defesa do meio ambiente - em especial a Mata Atlântica - assistem à derrubada de trechos da vegetação nativa em Goiana. “Após tirar a primeira parte, fica difícil reclamar”, observa o coordenador da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (Aspan), Alexandre Araújo.

Para ele, o trecho da mata que ladeia a BR 101 Norte embora não fosse muito “exuberante”, conserva uma importância para a manutenção da qualidade do ar. “É uma vegetação danificada pela poluição. Mas ajuda a filtrar os poluentes do escape, como o enxofre”, diz. Ele frisa que o replantio – mesmo que seja garantido pelo órgão – tem se traduzido em compensação financeira em outras intervenções.

A crítica, no entanto, não arrefece. O engenheiro agrônomo da Associação para Proteção da mata Atlântica do Nordeste (Amane), Raul Soares, pondera que não seria necessário derrubar a mata. “Desvios poderiam ser feitos. É um desafio para a parte da engenharia”, diz ele. E ironiza: “Dificilmente alguém vê um avanço ser feito nas áreas de canaviais”. Apesar da colocação, o ambientalista faz questão de deixar claro que “não se trata de ser contra ou a favor do corte da mata” e explica: “É uma questão de saber como a gente quer o nosso desenvolvimento. Por cima da vegetação? Isso é progresso? Vale pontuar que compensar nem sempre é algo satisfatório. Às vezes, é mais educativo evitar cortar do que fazê-lo e, depois, plantar mil vezes a mais”.

Alguns estudiosos atribuem à derrubada da Mata Atlântica uma das causas da seca no Nordeste. Isso porque a ausência da floresta impediria a formação das chuvas, e os ventos que sopram do litoral transportariam o sal para a vegetação, sem barreiras naturais. Acredita-se, também, que a devastação prejudique o sistema de reciclagem dos nutrientes do solo. A superfície fica, ainda, desprotegida contra o efeito das precipitações.

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