sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Maria da Penha: Formuladora da lei diz que violência não diminuiu

Tiago Barbosa

A violência praticada contra a mulher, no Brasil, não diminuiu com a implantação da Lei Maria da Penha. A observação pertence a ninguém menos que uma das pessoas responsáveis pela elaboração da legislação que, há pouco mais de um ano, tornou mais graves as penalidades impostas aos homens que agridem as companheiras com quem dividem o lar. Em passagem pelo Recife, ontem, a advogada Leila Linhares Barsted foi categórica ao dizer que o artifício legal estimulou as mulheres a romper os relacionamentos em que os parceiros são agressores.

Mas, por outro lado, a medida insuflou a intransigência de homens que, ao não aceitar o fim da relação determinado pelas ex-parceiras, apelam para o comportamento violento como forma de garantir a convivência do casal. "A gente tem visto que a perda do poder masculino sobre o relacionamento transforma agressores em pessoas ainda mais violentas, a ponto de vê-los chegar ao extremo", frisou ela, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), no bairro de Santo Antônio, no Recife.

A preocupação da advogada se expressa em números. Em Pernambuco, por exemplo, a média de mulheres mortas por dia, em 2007, continua praticamente a mesma do ano passado - antes e depois da lei (0,8 contra 0,84). A mortandade é constatada à revelia do aumento nos flagrantes e na quantia de inquéritos remetidos à Justiça. Levantamento da Delegacia da Mulher comparou oito meses seguintes à adoção da lei com o mesmo período de tempo anterior à legislação e verificou que subiu em 3.083% a autuação instantânea dos agressores e em 526% o indiciamento nas investigações policiais.

Vale destacar, porém, que o registro dos homicídios não considera se as mulheres morreram por agressão de ex-companheiros ou por força do envolvimento com o crime. Para a advogada Leila Linhares, no entanto, os altos índices de violência indicam menos uma falha na lei do que o desconhecimento da população a respeito dela. "Nosso propósito é incentivar o debate para que a população conheça a lei", disse ela.

A especialista defende a disseminação da lei como forma de reverter uma cultura que, segundo ela, ainda se apóia bastante na ótica machista. "A sociedade é complacente com esse tipo de violência", pontuou. Diz ela que perduram resistências até mesmo em setores fundamentais para a aplicação da Maria da Penha. "Há locais resistentes à criação dos juizados voltados para o tema, imprescindíveis para validar a lei, penalizar os agressores e proteger as mulheres. Falta qualificação para policiais, promotores, juízes e delegados. As faculdades ainda não tratam da questão do gênero no curso, os universitários desconhecem os tratados nacionais e internacionais sobre a questão", lamenta.

Leila também criticou a concentração do atendimento à mulher nas capitais e a incapacidade de os serviços de plantão policial funcionarem à noite no Interior. Ela enxerga uma razão para tantos entraves. "Falta o entendimento da gravidade da violência doméstica e familiar. Até mesmo entre as mulheres. Se sabemos que há um ladrão nos rondando, tomamos providências. Mas elas parecem não conhecer os recursos de que dispõem quando ameaçadas pelos companheiros violentos", explica. A especialista veio ao Recife para participar de um curso sobre a aplicação da Lei Maria da Penha que tem como público-alvo magistrados, promotores, advogados, delegados, assistentes sociais, psicólogos e estudantes.

OAB vai solicitar que lei seja incluída no Exame

A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) vai solicitar ao Conselho Federal da OAB nacional que se torne sistemática a abordagem à Lei Maria da Penha no exame que a entidade realiza anualmente para garimpar os advogados habilitados a exercer a profissão. A idéia do órgão estadual é intensificar o estudo da legislação por parte daqueles que acabaram de deixar a universidade e estão prestes a começar a carreira no Direito.

Vale frisar que o tema já figura nas questões elaboradas para a seleção promovida entre os bacharéis. Mas a OAB-PE quer aumentar a ênfase que vem sendo dada ao assunto e torná-lo pauta recorrente para aprovação dos futuros profissionais. A pretensão da Ordem em Pernambuco foi anunciada, ontem, pelo presidente da instituição, Jaime Asfora, durante reunião com a advogada Leila Linhares Barsted, no bairo de Santo Antônio.

Para Asfora, a inclusão vai ajudar no entendimento da legislação e aguçar a sensibilidade dos bacharéis em relação à violência de gênero, "um problema social grave que acomete o País". "É de caráter emblemático uma vez que a Maria da Penha tem provocado transformações sociais importantes. Queremos que o tema faça parte do conteúdo programático, seja algo específico que conste nos exames. Assim, vamos estimular a sua aplicabilidade", afirmou.

A solicitação será endereçada a Brasília, hoje, via ofício para o presidente da OAB nacional, César Brito. Ele deve designar um relator para apreciar o pedido e votar contra ou a favor do pleito. O parecer será submetido aos 81 conselheiros federais. O exame da OAB é, segundo a assessoria de imprensa do órgão estadual, padronizado em todas as unidades da federação. A prova é elaborada pela Cespe sob diretrizes expressas do Conselho Federal. A exceção fica por conta de sete estados: Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo.

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