segunda-feira, 13 de agosto de 2007

PREVISÍVEL: Idosa é mora pelo ex-companheiro

Tiago Barbosa

Era quase certo que uma tragédia rondava a casa de muro verde da rua Jacira, na comunidade de Sapucaia de Dentro, em Olinda. O comportamento do mecânico Lusivaldo Mendes, de 51 anos, em relação à sua ex-companheira, a autônoma Isabel Alves de Santana, de 60 anos, mostrava que ele não estava disposto a aceitar a separação. Mesmo depois de ter sido colocado para fora da residência, há 15 dias, o homem insistia em procurá-la. Queria retornar para o lar.

Diante das recusas, as ameaças eram constante. A polícia interveio por vezes. Mas nada adiantou. Na madrugada do domingo, a história saiu do campo verbal para o físico. O mecânico invadiu a propriedade onde a autônoma estava e a assassinou com golpes de faca. Em seguida, tentou se matar, mas foi socorrido e, até o fechamento desta edição, estava internado no setor de trauma do Hospital da Restauração, no Derby, no Recife. O estado de saúde dele é grave.

Os indícios sugerem que o crime poderia ter sido evitado. Familiares e amigos do casal contaram que Lusivaldo costumava arrumar encrenca quando bebia. "Ele a esculhambava, brigavam muito", disse a vizinha Gersina Nunes. Os dois estavam juntos há 12 anos. Conheceram-se em uma festa. Desde então, dividam a mesma casa com a mãe de Isabel, uma senhora de 91 anos. O vício pela bebida, disseram conhecidos dela, chegou a um nível insuportável. A situação complicou de vez há duas semanas.

O mecânico travou uma discussão com a filha da idosa, Celma, e a teria agredido com uma faca. "Ele pegou uma faca e ela se esquivou. Mas ainda conseguiu cortar a barriga dela. Celma prestou queixa na Delegacia de Peixinhos", falou a estudante Catarina Daiane, vizinha de Lusivaldo e Isabel. Ela acrescenta que policiais chegaram a comparecer à casa na rua Jacira, mas não tiveram sucesso em encontrá-lo. Não foi a primeira vez que um problema da família envolveu a polícia. "Ela já tinha prestado queixa contra ele outras vezes", disse a estudante. Hoje, Lusivaldo iria à Delegacia da Mulher prestar depoimento. Mas, segundo os moradores de Sapucaia, ele estava disposto a evitar o comparecimento à DP. A todo custo.

"Antes de ir para a delegacia, eu faço qualquer coisa. Se eu não matá-la, toco fogo na casa. Ela tem que ser minha", disse a vizinha Catarina. Na noite do crime, ele foi até a casa de Isabel. Com medo, ela vivia trancada. Mas não deixava de se preocupar com o ex-companheiro. Ela costumava lavar suas roupas e chegou a alugar um quartinho para ele morar.

No sábado, a idosa solicitou que o mecânico comprasse pão. Ao retornar, deu-lhe café. Pediu que fosse embora. Chovia muito, e Lusivaldo, aparentemente, resolveu aceitar a sugestão. No início da madrugada, no entanto, ele retornou, segundo os vizinhos. Cortou o fio do telefone. Destelhou o teto sobre a cozinha. Foi até o quarto. Usou duas facas para matar a mulher, que teve ferimentos na mão, pescoço e cabeça, segundo a perita do Instituto de Criminalística (IC), Verônica Melo. Depois, utilizou uma das facas para cortar o próprio pescoço. Acredita-se que ele tenha tentado fugir - pois existem marcas de sangue no balcão da cozinha. Sem forças, contudo, caiu e foi salvo pela ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), chamada por moradores.

"Eu dizia para ela ter cuidado"

Inconsolável, a irmã de Isabel, Severina dos Ramos, de 72 anos, parecia saber que o crime era questão de tempo. "Eu dizia para ela ter cuidado, não confiar nele. A gente se comunicava muito e ela demonstrava medo. Ele costumava brigar com os três filhos dela. Mas Isabel fazia questão de não envolvê-los", recordou. Na última vez em que as duas se viram, na noite do sábado, Isabel conversava com Lusivaldo ao portão. Ele estava do lado de fora. Ela, trancada em casa. Quando ele foi embora, Severina sentiu-se aliviada para dormir. Pela manhã, como de costume, chamou a irmã para irem até igreja. "Mas ela não respondeu. Vi, pelo vasculhante, que faltavam telhas na casa dela. Quando estava no templo, fui avisada do crime", contou. "E, agora, o que é que eu faço? Tudo nós fazíamos juntas", lamentou.

A mãe de Isabel, que, segundoa a família, sofre de problemas mentais, teria escutado o momento em que Lusivaldo abordou a filha. "Ela nos disse que Isabel chorou muito durante a noite e, em seguida, silenciou", falou Severina. O sobrinho de Isabel, Luciano Santana, de 37 anos, disse à reportagem que o enterro da idosa está marcado para as 11h de hoje, no cemitério de Santo Amaro. Segundo a Polícia Militar, as circunstâncias da morte serão apuradas pela Delegacia de Peixinhos.

A Folha entrou em contato com a delegada do Departamento de Polícia da Mulher, Verônica Azevedo, para saber se houve negligência policial no atendimento e proteção à autônoma, uma vez que a idosa era ameaçada constantemente pelo ex-companheiro. Ela disse que vai se inteirar do caso hoje, com a Delegacia da Mulher, em Santo Amaro. "Tenho que puxar os boletins de ocorrência para saber o que houve", adiantou. Em geral, afirmou a delegada, medidas protetivas são adotadas de acordo com a Lei Maria da Penha para garantir a segurança da mulher que é jurada de morte pelo ex-companheiro.

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